Manifestações aceleram a redução do consumo

Junho ficará para a história como o mês das grandes manifestações populares, que tiveram forte impacto político. Mas também vai estampar um momento de expressivas quedas nas vendas de bens de consumo no país, tendência parcialmente influenciada pelas próprias manifestações de rua. Com isso, o mercado de consumo no país, que movimenta por ano mais de R$ 2 trilhões, fecha o primeiro semestre num cenário pouco animador e adia a previsão de recuperação para a segunda metade do ano. Para isso, será preciso reverter o mau humor do consumidor num ambiente em que as empresas sentem efeitos da alta do dólar nos preços e já estudam ajustes internos.

“Junho foi devastador”, disse o executivo de uma grande fabricante de eletrodomésticos. “A venda, que já estava fraca, chegou a cair 25% no varejo nos dias de manifestação”, disse. As praças mais atingidas foram São Paulo, Rio e Minas.

Consumo cai e companhias já revisam projeções

O varejo e a indústria de bens de consumo sofreram com a série de efeitos negativos da economia nas vendas em junho e amargaram um mês fraco. Com isso, o mercado de consumo no país, que movimenta ao ano mais de R$ 2 trilhões, fecha um primeiro semestre num cenário pouco animador e parte para uma tentativa de recuperação na segunda metade do ano – período responsável por até 60% das vendas. Vão tentar reverter o quadro atual de mau humor do consumidor num momento em que as empresas sentem os primeiros efeitos do câmbio nos preços e já estudam ajustes internos. Há associações setoriais e companhias revisando para baixo as metas de expansão no ano – algumas delas já falam em postergar investimentos. A valorização do dólar, que encarece produtos e afugenta clientes, tem peso nessas revisões.

Ouvidos pelo Valor, fabricantes e varejistas de eletrodomésticos, computadores e calçados, além de redes de material de construção registraram no mês passado resultados abaixo da meta ou queda no ritmo de expansão nas vendas. “Há quem esteja prevendo empatar com o ano passado”, afirmou o principal executivo de uma fabricante de eletroeletrônicos, se referindo às varejistas para as quais fornece seus produtos. “Não atingimos a meta de vendas do mês e seguramos um pouco as encomendas de julho”, disse Carlos Luciano Martins Ribeiro, presidente da Novo Mundo, rede de eletroeletrônicos com sede em Goiás e 180 lojas no país.

O varejo de alimentos e atacado apresentaram bons números em junho, segundo uma grande rede de supermercados ouvida. Lojas de telefonia e de alguns produtos eletroeletrônicos, especificamente televisores, também registraram desempenhos mais positivos.

Quem sentiu o desaquecimento foi afetado por imprevistos que pesaram no caixa. Não se esperava que as manifestações populares tirassem tantos consumidores das ruas e dos shoppings, e que o nível de violência localizada forçasse as lojas a fecharem as portas. Com base em informações de redes ouvidas, houve uma queda de 10% a 25% na venda de redes de varejo de bens duráveis entre a segunda e terceira semanas de junho, em relação a uma semana normal. Ainda entrou nesse cálculo o desaparecimento dos clientes do comércio nos dias de jogos da Copa das Confederações. Trabalhadores foram dispensados pelas empresas no fim da tarde em junho e algumas partidas aconteceram no sábado, o segundo melhor dia do comércio em alguns segmentos.

São questões que poderiam só mudar a rotina do varejo, se não existisse uma conjuntura pouco favorável ao gasto. Os repiques da inflação comprimem a renda, num cenário de endividamento recorde (índice de 44,3% em abril) e encarecimento do crédito – puxado pela subida da taxa de juros básica este ano. Ainda há resistência na queda dos índices de inadimplência do consumidor. O atraso dos pagamentos acima de 90 dias não sobe, mas também não cai, ficando estável há quatro meses consecutivos. Para se ter ideia do desaquecimento do comércio, segundo dados do IBGE, no acumulado de 12 meses até novembro de 2012, o setor crescia 8,6%, caiu para 7,4% em fevereiro, foi a 6,8% em março e caiu para 6,4% em abril.

“Junho foi devastador”, afirmou o executivo de uma grande fabricante de eletrodomésticos. “A venda, que já estava fraca, chegou a cair 25% no varejo nos dias de manifestação”, disse. As praças mais afetadas foram São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. “Ainda por conta da Copa das Confederações, os gatos pingados que vieram às lojas estavam interessados apenas em TVs”. A fabricante afirma ter apresentado crescimento de dois dígitos no ano passado, até o primeiro trimestre deste ano. “No segundo trimestre, tivemos crescimento de um dígito, mas no segundo semestre podemos apresentar crescimento zero em relação a 2012”, disse.

É um cenário em que não caberia um reajuste no preço dos eletrodomésticos, cujas principais matérias-primas são aço e plástico (que sofrem diretamente o efeito da alta do dólar). Mas as pressões por aumentos voltaram à mesa. No começo do ano, as grandes fabricantes pediram reajustes de 2% a 3%, quando o dólar estava estável, e muitas redes seguraram os preços. Agora está bem mais difícil. A moeda americana acumula alta de 10,5% em 2013. “O nível de reajuste para produtos fabricados no país pode chegar até 10%”, afirmou o executivo da fabricante de eletrodomésticos. Segundo ele, os fornecedores de aço estão pedindo aumentos que chegam a 20%.

Diante do cenário menos favorável, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) informou que está revendo para baixo suas expectativas para 2013. No início do ano, previa um aumento de 8% nas vendas, que somaram R$ 144,5 bilhões em 2012. “Ainda não chegamos a um número, mas com certeza esse índice será de no máximo 5%”, afirmou o presidente da Abinee, Humberto Barbato. Segundo Barbato, com a receita aquém do esperado, a indústria está adiando investimentos. “Os fabricantes de eletroeletrônicos costumam investir o equivalente a 4% do seu faturamento em expansão mas, em 2013, esse índice não deve superar 3%.”.

A fabricante de computadores Dell registrou, em junho, uma retração generalizada nas vendas. “Junho é um mês que, tradicionalmente, tem menor demanda do que maio, mas este ano vimos uma queda maior de performance em todo o país, sendo menos expressiva no Nordeste”, disse Deise Dalla Nora, diretora de vendas para varejo da Dell Brasil. Segundo ela, o movimento se deu em função do cenário econômico de aumento da inflação e do endividamento do consumidor, além de fatores adicionais como as manifestações nas ruas e a Copa das Confederações.

A executiva afirmou que as perdas foram em parte compensadas pelos serviços oferecidos pela marca, como a garantia em domicílio. A Dell está reajustando para cima o preço dos produtos este mês, mas não revela a taxa de aumento.

No Nordeste, a fabricante de computadores Elcoma, de Pernambuco, experimenta uma queda próxima de 20% nos pedidos do varejo em relação a igual período do ano passado. Seu diretor comercial, Samuel Prado, informou que a retração, iniciada em novembro de 2012, se acentuou em junho, quando as encomendas recuaram cerca de 10% ante maio.

Segundo Valdemir Dantas, presidente da fabricante de eletrodomésticos Latina, a empresa vendeu, em volume, 3% a menos do que o previsto em maio. Em junho foi pior, 5% a menos. Dantas estimou que haveria uma “corrida” dos varejistas em maio e junho devido à elevação de alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre alguns produtos em julho, o que poderia aumentar a demanda por tanquinhos, seu carro-chefe. “Essa procura, porém, não aconteceu”, diz Dantas, o que indica que há estoques no varejo. Para ele, o alto endividamento e a queda de confiança estão fazendo o consumidor adiar compras.

De janeiro a junho, a empresa apurou alta de 5,8% no volume de vendas, mas o executivo lembra que a base de comparação é baixa. “Nosso primeiro semestre do ano passado foi muito fraco.” O executivo previa crescimento de 8% no volume de vendas em 2013 e já revisou a expectativa para 5%. Além disso, adiou planos de investimento. A ideia era esperar o desempenho do primeiro semestre para começar a investir em uma nova fábrica para operar em 2014. Agora o início da obra foi postergado para o para o ano que vem, se as perspectivas econômicas melhorarem, o que joga a operação da nova fábrica para 2015.

No varejo de material da construção, com mais de 130 mil lojas no país, houve uma queda de 8% nas vendas em junho em relação a maio, e redução de 4% em comparação com junho de 2012. As regiões Sul e Sudeste foram as que mais sofreram com a redução de vendas. Houve queda de vendas em todo o país em praticamente todos os segmentos, exceto metais sanitários. “A Copa das Confederações e os protestos atrapalharam. Tivemos lojas saqueadas. Mas acreditamos que o segundo semestre será bom”, diz Cláudio Conz, presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco).

Fonte: Brasilia em Tempo Real